Antes de mais nada, gostaria de reconhecer que o ciclo PDCA (Plan-Do-Check-Act) foi uma das primeiras ferramentas sistemáticas de melhoria da qualidade, amplamente disseminado por W. Edwards Deming e que já completou mais de 70 anos de existência. Trata-se de um método consagrado e ainda válido em diversos contextos.
No entanto, observa-se atualmente um uso excessivo e inadequado do PDCA por parte de algumas consultorias. Independentemente da natureza do problema organizacional, a solução apresentada é quase sempre a mesma: “Aplique o PDCA”. Baixa produtividade? PDCA. Problemas de motivação? PDCA. Necessidade de maior inovação? PDCA novamente.
Nesse cenário, o PDCA é tratado como um “antibiótico universal” ou remédio para todos os males da organização — semelhante àquele medicamento que alguns médicos prescreviam no passado para praticamente qualquer sintoma.
Esse uso indiscriminado representa um desrespeito ao cliente, que frequentemente investe milhões de reais em programas padronizados (o mesmo pacote aplicado em dezenas de outras empresas), conduzidos por profissionais com experiência limitada em consultoria e em gestão de mudanças complexas. Tais programas costumam ser implementados de forma autoritária, por meio de checklists rígidos, com o objetivo exclusivo ou predominante de reduzir custos operacionais.
Executivos, atraídos pela reputação da marca da consultoria, aceitam essas propostas na expectativa de obter reduções rápidas e mensuráveis de custos por meio de métricas e diretrizes impostas. Muitos não percebem que estão introduzindo na organização um verdadeiro “cavalo de Troia”.
Essas intervenções, muitas vezes executadas por consultores despreparados para lidar com pessoas e com a complexidade dos sistemas humanos, geram consequências graves que nem sempre são imediatas, mas que logo se manifestam: deterioração do clima organizacional, queda no engajamento e perda de confiança das equipes.
A atuação desses profissionais asselha-se muitas vezes à de “gestores temporários” impostos pela alta direção, cuja principal ferramenta são planilhas de controle e indicadores. Ignora-se completamente a cultura organizacional existente — em grande parte porque os consultores não possuem formação ou sensibilidade para trabalhar esse aspecto — e impõem-se práticas e rotinas pela força, na crença ingênua de que mudança organizacional se decreta.
Nesse ambiente, não há investimento real em educação, desenvolvimento de competências ou construção de adesão. Prevalece a lógica do comando e controle: divide-se a organização em dois grupos — os que aderem rapidamente às novas exigências e os que resistem e, por isso, devem ser afastados ou substituídos.
Quando os resultados financeiros esperados não aparecem no prazo estipulado, a responsabilidade recai exclusivamente sobre os colaboradores e gestores da empresa, que “não souberam executar” o que foi determinado pelos consultores. A solução simplista é trocar pessoas, muitas vezes com sério prejuízo à sua reputação interna.
Em resumo, nesses casos extremos, valores, propósito organizacional e o respeito ao ser humano ficam em segundo plano. O único indicador que realmente importa é o impacto imediato no resultado financeiro.
O PDCA, em sua essência, continua sendo uma ferramenta poderosa e respeitável. O problema não está no método, mas no uso superficial, autoritário e mercantilizado que algumas consultorias fazem dele, transformando uma prática de melhoria contínua em mera ferramenta de corte de custos disfarçada de programa de excelência.
